KUNG FU, A ARTE MARCIAL CHINESA
BREVE HISTÓRICO DO KUNG FU/WUSHU
A luta pela sobrevivência faz parte da natureza humana, e o homem como animal racional, desenvolveu técnicas altamente sofisticadas de combate para compensar diferenças natas como força e tamanho. Em articular, o povo chinês sempre foi possuidor de um espírito guerreiro que levou seu país a se tornar o mais poderoso da Terra (dinastia Shang - 1766-1122 a.C.).
Muito diferente do que muitas versões apresentam sobre a origem do Kung Fu, a arte marcial chinesa nasceu muito antes do que se imagina. Mesmo antes da suposta procedência indiana, defendida por algumas modalidades japonesas, que citam sua origem há aproximadamente 500 anos a.C.
Quando as técnicas com “mãos vazias” começaram a se desenvolver na China antiga, elas primeiramente enfatizaram a luta com agarramento. O Shuai Jiao (o wrestling chinês), o estilo mais antigo de Kung Fu, desenvolveu-se a partir de táticas cruéis de luta até se transformar em uma forma muito avançada de arte marcial. Na história escrita da China podemos encontrar registros da prática de suas técnicas mais primitivas há quase 5.000 anos atrás, nos tempos do Imperador Amarelo, Huang Di.
Por volta do ano 2.700 a.C., duas tribos rivais se instalaram ao longo do Rio Amarelo. Uma das tribos era liderada pelo famoso Huang Di, e a outra por Zhi You, cujos guerreiros utilizavam um capacete com dois chifres. Estes capacetes eram utilizados nas batalhas paraferir os inimigos. Huang Di ensinou seus guerreiros a evitarem estes ataques perigosos e a desequilibrarem seus adversários. Assim, graças a estas técnicas, Huang Di venceu Zhi You e unificou o país. Nascia a China. Desde então, nas festas chinesas, costuma-se dançar imitando os combates dos guerreiros. Alguns utilizam capacetes e fingem ferir seus adversários com os chifres, os outros, por sua vez, evitam os ataques tirando o equilíbrio do atacante. Esta dança tradicional era chamada Jiao Dixi, onde aconteceram as primeiras demonstrações da arte marcial “mãos vazias” na China.
A arte marcial tornou-se muito popular quando os guerreiros de Chou, da China Ocidental, derrotaram o monarca da Dinastia Shang, em 1122 a.C
Os primeiros estilos foram criados pelos clãs (famílias) e mantidos em segredo através das gerações. Era muito comum que, ao herdar um determinado estilo, um membro dessa família acrescentasse alguns movimentos por sua própria conta e o estilo original sofresse diversas alterações de geração para geração. Com o passar do tempo o mesmo estilo se desmembrava em vários estilos menores, que por sua vez iriam se dividir em outros e assim por diante.
O período de 770-481 a.C. foi chamado de Era da Primavera e do Outono. Durante esta época o Kung Fu foi chamado de Ch’uan Yung e a arte começou a florescer. O período dos Estados Guerreiros (480-221 a.C.) produziu muitos estrategistas que enfatizaram a importância do kung Fu na construção de um exército forte. Dos notáveis mestres do Kung Fu em lutas de espadas naquele tempo, muitos eram mulheres. Uma delas, Yuenu, foi convidada pelo imperador Goujian, para expor suas teorias sobre a arte de combate com armas. Naquela época o termo oficial para o Kung Fu era Chi Chi Wu.
As dinastias Ch’in (221-206 a.C.) e Han (206 a.C. - 220 d.C.) presenciaram o crescimento de artes marciais como o Jiaodi, uma contenda na qual os participantes se defrontam com chifres de boi nas cabeças. O Kung Fu passa ser conhecido como Chi Ch’iao, várias novas armas foram incorporadas à arte e o taoísmo começou a influenciar a filosofia de luta. No Período dos Três Reinos (220-265 d.C.) um famoso médico chamado Hua Tuo criou um método de movimento e respiração, baseado nos movimentos do tigre, do cervo, do urso, do macaco e do pássaro, chamando-o de Jogo dos Cinco Animais. Esse famoso médico chinês foi o primeiro a utilizar anestesia geral à base de ervas. Na dinastia Jin (265-439 d.C.) o Kung Fu caiu pesadamente sob a influência do budismo e do taoísmo. Ge Hong (284-364 d.C.), famoso médico e filósofo taoísta, baseando-se na pesquisa de seu predecessor Hua Tuo, integrou ao Kung Fu o Chi Kung (Qi Gong), importante ramificação da Medicina Tradicional Chinesa. Suas teorias em relação às ações externa e interna no Kung Fu são universalmente conhecidas e respeitadas até hoje.
Hua Tuo e Ge Hong foram um marco no desenvolvimento de exercícios de Kung Fu.
Outro grande desenvolvimento na história Kung Fu ocorreu durante as dinastias do Norte e do Sul (420-581 d.C.): a chegada do monge Bodhidharma à China. Bodhidharma, também conhecido como Ta Mo, Dharuna e Daruma Taishi, foi um príncipe indiano, que se tornou um mestre budista e que peregrinou pela China. Depois de muitos contratempos, por fim hospedou-se no Templo Shaolin. Ali, segundo a lenda, ele meditou durante nove anos e criou uma nova concepção budista a que chamou Chan (Zen, no Japão).
Bodhidharma era o 28º patriarca do Budismo e um Kshatryia (membro da casta guerreira na Índia), tendo sido treinado numa arte marcial indiana chamada Vajramushi, antes de tornar-se um monge. Quando verificou a dificuldade que os monges de Shaolin tinham em seguir seus ensinamentos relacionados à meditação, instituiu a prática uma série de exercícios físicos para seu condicionamento, visando torna-los capazes de suportar as longas horas de prática meditativa.
Enquanto o templo Shaolin adotava a rotina da prática das atividades físicas influenciados pelo sistema de combate indiano, a China vivenciava a evolução de sua arte marcial. Foi então que um monge chamado Kwok Yuen peregrinou por todo o país, pesquisando os estilos antigos de Kung Fu e aperfeiçoou o sistema de combate praticado no templo para 72 técnicas. Começava a nascer um novo estilo de Kung Fu.
Mais tarde o sistema foi estudado por Pay Yu Feng e Li Chang, que aumentaram as 72 técnicas para 170, contendo a essência de cinco animais: o Dragão, o Tigre, a Garça, a Serpente e o Leopardo. Nascia o estilo Shaolin de Kung Fu.
Durante a dinastia Ching (1644-1911 d.C.), apesar de um Decreto Imperial que proibia a prática do Kung Fu entre o povo, estabeleceu-se uma grande quantidade de sociedades secretas dedicadas à divulgação da arte. E com a queda da dinastia Ching, em 1911, as artes marciais foram ensinadas em todo o país e adquiriram grande prestígio.
A existência de vários estilos de Kung Fu, tanto no Sul quanto ao Norte da China, deve-se à situação geográfica do meio ambiente, onde são originados, de forma que os estilos dos que viviam nas montanhas diferenciam-se dos que vivem em planície, nos pântanos ou sobre as barcas, nos rios e nas orlas marítimas, e em outras regiões da China. E assim, surgiu o conceito “NA KUEN PAK TUI”, que significa MÃOS NO SUL E PÉS NO NORTE.
Os habitantes das regiões montanhosas do Norte possuem pernas bastante fortes, habituados aos exercícios no solo acidentado, desenvolveram técnicas voltadas para o domínio dos membros inferiores. Já os habitantes do Sul, que vivem sobre as barcas, se especializaram no uso dos membros superiores, por causa da flutuação que exigia o apoio das pernas. Estes também desenvolveram os membros superiores devido ao trabalho nas plantações de arroz, onde eram obrigados a trabalhar com água pelos joelhos, já que o plantio era feito nos terrenos alagados das grandes planícies.
Há também as influências religiosas que dividem os estilos do Sul e do Norte, com os pensamentos confucionistas e taoísta, que deram origem às escolas internas (Nei Chia) e o budista (Chan), que deu origem às escolas externas (Wai Chia). Na “escola” de Kung Fu é ensinado ao discípulo respeito aos instrutores, ao próximo e à sociedade em que vivem. Em todos os estudantes repousa a responsabilidade no cuidado com o próximo, com a escola e com o estilo em si. Desta forma, uma escola de Kung Fu age como uma família.
Na tradição chinesa os membros de uma escola são denominados “irmãos” (Si-Hing). O mestre é visto neste contexto como “pai” da escola e recebe mais respeito que um professor (Si-Fu). O mestre da escola de Kung Fu é conhecido pelo respeitoso termo “Si-Gung” e não é apenas um professor de artes marciais, mas sim responsável em guiar e agir como exemplo para os discípulos.
Em 1949, o líder comunista Mao Tse Tung tomou o poder e muitos mestres de Kung Fu, por motivos políticos, emigraram para Taiwan ou para Hong Kong, protetorado britânico na época. Neste ano, ocorreu a fundação da República Popular da China, que, constituiu um apoio ao resgate das artes marciais chinesas e uma oportunidade para promover o Kung Fu e incentivar o resgate dos velhos métodos de luta do país. E em 1950, grupos de mestres foram formados com estímulo do governo para criar um esporte tipicamente chinês, o que deu origem ao então chamado Wushu Moderno.
Em 1959, o Kung Fu começou a ser ensinado para os ocidentais, tornando a arte progressivamente mais popular em âmbito mundial. No Brasil, esta transmissão de conhecimentos e técnicas começou a partir deste mesmo ano, com a chegada dos primeiros mestres chineses vindos de Cantão (província do sul da China) e de Hong Kong, dentre eles, Wong Sun Keung, Chan Kowk Wai e Chiu Ping Lok. Em 1965, Bruce Lee vai aos Estados Unidos e reforça o impulso já existente para tornar a arte marcial chinesa mais conhecida por intermédio do cinema, mídia em que o ator e lutador se destacava.
Atualmente, na China continental, o Kung Fu tem recebido características desportivas, onde o aspecto competitivo é altamente enfatizado. Não obstante, a prática tradicional do Kung Fu tem sido preservada.
O KUNG FU NO BRASIL
A partir do ano de 1959, desembarcaram no Brasil os primeiros Grão-mestres chineses, vindos de Cantão (província do Sul da China) e de Hong Kong. Estes iniciaram os ensinamentos com muita dificuldade, principalmente devido à língua e à cultura brasileira, primeiramente em casas com aulas particulares, depois em centros comunitários e, finalmente, abrindo as próprias academias. Os pioneiros no Brasil foram os Grão-mestres Wong Sun Keung (Tai Chi Chuan), Chan Kowk Wai (Shaolin do Norte - Bak Siu Lum) e Chiu Ping Lok (Fei Hok Phai).
Em 1971, chegou a São Paulo o Mestre Li Wing Kay, do estilo Garra de Águia (Ien Jiao Fan Tzi). Em 1979, chegou o Mestre Li Hon Ki, dos estilos Hung Gar e Wing Chun. Em 1980, o estilo Shen She Chuen (Punho da Serpente Divina) começa a ser ministrado no Brasil, sob a supervisão do Mestre Hu Chao Tien, filho do Mestre Hu Shi Wen.
A colaboração destes mestres na difusão da arte marcial chinesa foi tão importante, qur a modalidade se propagou também no meio acadêmico. De 1961 a 1968, o Kung Fu foi ensinado na Universidade de São Paulo - USP, pelo Grão-mestre Chan Kowk Wai. Em 1974, a arte é inserida como forma de defesa pessoal no 16º Batalhão da Polícia Militar do Estado de SP, pelo Mestre Li Wing Kay.
Em 1989 foi fundada no Brasil a primeira entidade administrativa marcial específica para dirigir o Kung Fu: a Federação Paulista de Kung Fu Wushu - FPKF. Neste mesmo ano também foram organizados os primeiros campeonatos oficiais estaduais e o nacional.
Nos anos 1990 e 1991 são fundadas outras federações estaduais em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Mato Grosso. Em 1992 foi ocorreu a fundação da Confederação Brasileira de Kung Fu Wushu e em 1994 foram fundadas a Federação Paulista de Kung Fu Tradicional (Kuoshu) e a Confederação Brasileira de Kung Fu Tradicional (Kuoshu).
Como se pode verificar, a vinda maciça de mestres de Kung Fu ao Brasil ocorreu no período de 1959 a 1980, e a maioria estabeleceu residência nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, o que favoreceu com que seus estilos pudessem ter divulgação e difusão de forma mais ampla. Contudo, ainda em 1969, chega ao Brasil o Mestre Wu Song Yong, desembarcando no Ceará, onde introduziu o estilo Pak Long Zhao (Garra do Dragão do Norte), um dos estilos oficialmente difundidos pela Família Shien de Kung Fu. Diferentemente dos demais citados, este mestre não se tornou conhecido porque residiu em uma pequena cidade cearense e pelo permaneceu pouco tempo no Brasil, tendo deixando o país em 1973.